"> A diplomacia incendiária de Lula: por que a acusação de "genocídio" em Gaza reacende a crise com Israel

 

Opinião - 26/08/2025 - 05:11:36

 

A diplomacia incendiária de Lula: por que a acusação de "genocídio" em Gaza reacende a crise com Israel

 

Da Redação .

Foto(s): Divulgação / Arquivo Pessoal

 

A comparação do conflito em Gaza com o Holocausto, feita pelo presidente brasileiro, precipita uma nova escalada de tensão diplomática, com impactos que se estendem para além das fronteiras do Oriente Médio.

A comparação do conflito em Gaza com o Holocausto, feita pelo presidente brasileiro, precipita uma nova escalada de tensão diplomática, com impactos que se estendem para além das fronteiras do Oriente Médio.

A já complexa relação entre Brasil e Israel mergulhou em uma nova crise após as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, ao se referir à ofensiva militar israelense em Gaza, usou a palavra "genocídio" e fez uma comparação direta com o extermínio de judeus promovido por Adolf Hitler. A fala, proferida durante uma cúpula da União Africana, em Adis Abeba, Etiópia, chocou o governo de Tel Aviv e gerou uma reação imediata e contundente.

Em resposta, o chanceler israelense, Israel Katz, declarou Lula "persona non grata" e exigiu um pedido de desculpas formais, afirmando que a comparação era uma "vergonha" e uma banalização do Holocausto. A medida, de alto teor simbólico, representa o ponto mais baixo da relação bilateral em décadas. A controvérsia não se limitou aos gabinetes diplomáticos e dominou o noticiário internacional, com duras críticas por parte de líderes e organizações judaicas ao redor do mundo.

Israel Katz é uma figura central na política israelense e, mais especificamente, na recente crise diplomática com o Brasil. Membro do partido Likud, de direita, ele tem uma longa carreira política, tendo ocupado diversas pastas ministeriais, incluindo as de Transportes, Finanças, Relações Exteriores e, mais recentemente, Defesa.

Sua postura é vista como firme e alinhada à visão de governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A reação de Katz às falas do presidente brasileiro Lula sobre "genocídio" em Gaza e a comparação com o Holocausto foi um reflexo direto dessa linha política. Ao declarar Lula "persona non grata" e ao convocar o embaixador brasileiro, Frederico Meyer, para um encontro no Memorial do Holocausto, ele demonstrou a seriedade com que Israel encara a memória do Holocausto e a acusação de genocídio.

O encontro com o embaixador Meyer, em particular, foi uma ação diplomática altamente calculada. Ao realizar a reunião em um local tão simbólico e ao fazer uma repreensão pública, Katz transformou um encontro bilateral privado em uma declaração pública, enviando uma mensagem clara não apenas ao Brasil, mas à comunidade internacional sobre a posição de Israel. Esse ato, que o Brasil considerou uma afronta, serviu para elevar a tensão e consolidar a posição de Israel no debate global sobre o conflito em Gaza.

Contexto da crise diplomática

A crise atual não é um evento isolado, mas sim a mais recente manifestação de uma relação historicamente marcada por altos e baixos. Sob a presidência de Jair Bolsonaro, o Brasil havia se alinhado de forma mais próxima a Israel, com a abertura de um escritório comercial em Jerusalém e a tentativa de transferir a embaixada brasileira para a cidade. A eleição de Lula, no entanto, sinalizou uma guinada na política externa, com o Brasil retornando a uma postura mais alinhada com os países do Sul Global e a defesa de uma solução de dois Estados para o conflito israelo-palestino, em consonância com as resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU).

A acusação de genocídio, no entanto, extrapolou as divergências políticas e tocou em uma ferida histórica. O Holocausto é um dos eventos mais sensíveis e dolorosos da história moderna, e a comparação feita por Lula foi interpretada como um ataque frontal à identidade e à memória do povo judeu. A escolha da palavra, portanto, não foi apenas uma crítica à ação militar de Israel, mas uma acusação de motivação étnica e intencionalidade de extermínio, algo que Israel e seus apoiadores negam veementemente.

O papel de Celso Amorim e a reação do Itamaraty

A tensão diplomática foi ainda mais exacerbada por declarações de figuras-chave do governo brasileiro. O assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Celso Amorim, tentou contemporizar a situação. Em entrevista à imprensa, Amorim, um veterano da diplomacia brasileira, tentou justificar a fala de Lula, afirmando que o presidente "não quis ofender" e que suas palavras se referiam à "desproporcionalidade" da resposta israelense em Gaza.

Apesar da tentativa de apaziguar, as declarações de Amorim não foram suficientes para acalmar os ânimos. A resposta do governo de Benjamin Netanyahu permaneceu inflexível, exigindo um pedido de desculpas que até o momento não foi concedido. O Itamaraty, por sua vez, divulgou uma nota em que expressava a "indignação" do governo brasileiro e reafirmava a posição de Lula em relação ao conflito, sem, no entanto, fazer qualquer menção a um pedido de desculpas. A postura do Ministério das Relações Exteriores, de defesa da liberdade de expressão do presidente, sinaliza que o governo brasileiro não pretende recuar, o que prolonga o impasse.

O encontro no Memorial do Holocausto e a "repreensão" ao embaixador

A escalada da tensão atingiu um novo patamar com a convocação do embaixador brasileiro em Israel, Frederico Meyer, para uma reunião com o chanceler Israel Katz. O encontro ocorreu de forma pouco convencional, no Memorial do Holocausto (Yad Vashem), em Jerusalém. A escolha do local, de profundo significado histórico e simbólico, foi interpretada como uma forma de intensificar a pressão sobre o Brasil.

Durante a reunião, que foi amplamente divulgada pela mídia israelense, o chanceler Katz, em uma atitude considerada ríspida por diplomatas, fez uma declaração pública na presença do embaixador, afirmando que a comparação feita por Lula era "vergonhosa" e que Israel não esqueceria nem perdoaria. O embaixador Meyer, por sua vez, permaneceu em silêncio, sem responder às acusações. A cena, capturada em vídeo e transmitida para o mundo, foi vista como uma humilhação pública.

A reação do Brasil foi imediata. O embaixador Frederico Meyer foi chamado de volta a Brasília para consultas, um gesto diplomático que sinaliza grave insatisfação. A atitude do chanceler israelense foi duramente criticada pelo Itamaraty, que considerou a situação uma violação dos protocolos diplomáticos e uma afronta à soberania do Brasil. A condução do encontro por parte de Israel, ao convocar o embaixador para uma "repreensão" pública em um local tão simbólico, aprofundou o abismo entre os dois países.

Repercussões e o futuro da relação bilateral

A crise diplomática com Israel expõe as contradições e os desafios da política externa brasileira. Ao adotar uma postura mais crítica em relação a Israel, o governo Lula busca reafirmar sua liderança regional e se aproximar de países que defendem a causa palestina. Contudo, a retórica inflamada do presidente, sem o devido cuidado com as sensibilidades históricas, pode comprometer a capacidade de atuação do Brasil como mediador em conflitos futuros.

A questão central reside na escolha das palavras e no impacto que elas têm na diplomacia. A acusação de genocídio, especialmente quando comparada ao Holocausto, é uma linha que a maioria dos líderes mundiais evita cruzar. Ao fazê-lo, Lula não apenas alienou Israel, mas também gerou desconforto em importantes parceiros internacionais, incluindo os Estados Unidos e a Alemanha.

O futuro da relação entre Brasil e Israel é incerto. A crise não parece ter uma solução rápida, e os impactos se estendem para além das relações bilaterais, afetando o papel do Brasil no cenário global. A diplomacia brasileira terá de encontrar uma forma de lidar com as repercussões da crise e, ao mesmo tempo, manter seus princípios de política externa, sem comprometer a sua capacidade de diálogo com os diferentes atores do cenário internacional.

* Com informações das fontes: CNN Brasil, BBC News Brasil, Reuters e The Times of Israel.

* Vicente Barone é analista político, editor chefe do Grupo @HORA de Comunicação, esteve à frente de diversas campanhas eleitorais como consultor político e de marketing, foi executivo de marketing em empresas nacionais e multinacionais, palestrante nacional e internacional para temas de marketing social, cultural, esportivo e de trasnporte coletivo, além de ministrar aulas como professor na área para 3º e 4º graus - www.barone.adm.br

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